Após conversar com a China, Índia e Rússia (países do Brics) para negociar alternativas ao tarifaço imposto pelos Estados Unidos a produtos brasileiros, o presidente Lula (PT) vai ligar nos próximos dias para líderes de países que são aliados do Brasil e tem grande poderio econômico, mas compram poucos produtos nacionais.
O que aconteceu
Lula listou na terça-feira, 12, os próximos países com os quais vai conversar para estreitar relações. “Semana que vem, telefonarei para o presidente da França, para o primeiro-ministro da Alemanha, da Inglaterra, o presidente da África do Sul”, disse Lula na cerimônia em que apresentou o pacote de R$ 30 bilhões para socorrer setores da economia afetados pelo tarifaço.
Alemanha
Lula precisa convencer o parceiro comercial a comprar mais. Embora seja o 10º destino das exportações brasileiras (cerca de US$ 5,8 bilhões), a Alemanha é o terceiro país que mais vende ao Brasil: aproximadamente US$ 13,8 bilhões, resultando num déficit de US$ 7,9 bilhões no ano passado, segundo dados do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). Enquanto os alemães compram farelo de soja, motores, celulose e ouro, os brasileiros importam remédios, automóveis e compostos organo-inorgânicos, utilizados em engenharia de materiais.
O Brasil pode se aproveitar do interesse alemão por minerais. Em março do ano passado, os países se comprometeram a estreitar relações na exploração, extração, tratamento, transformação e reciclagem de minérios. “Com essa parceria, estamos aprimorando o setor, buscando a troca de experiências e tecnologias para alavancar toda a cadeia mineral”, disse na época o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
Reino Unido
O Reino Unido também negocia pouco com o Brasil. No ano passado, o Brasil exportou US$ 3,1 bilhões principalmente em ouro, vísceras animais, açúcar e celulose. Comprou os mesmos US$ 3,1 bilhões, especialmente em estruturas feitas de ferro e aço, bebidas alcoólicas, remédios, armas e munições. É o 27º país no ranking de exportações brasileiras, e o 16º no de importações.
O último tratado importante entre ambos foi em 2022. O Acordo para Evitar a Dupla Tributação quer impedir que empresas e pessoas sejam tributadas pela mesma renda nos dois países. Até hoje, porém, o acordo não foi ratificado pelos Parlamentos. “O Reino Unido não é um dos maiores importadores de produtos brasileiros, mas tem um peso geopolítico importante por ser aliado histórico dos EUA”, diz Jorge Ferreira dos Santos Filho, professor de economia da ESPM, em São Paulo.
França
Apesar da troca pública de afagos entre Lula e o presidente Macron, o Brasil vende pouco e compra muito. A França ocupa o oitavo lugar entre os países dos quais o Brasil mais importa, mas é apenas o 29º entre os compradores de produtos brasileiros: recebeu US$ 3 bilhões em importações, mas exportou US$ 6,2 bilhões ao Brasil. Enquanto o exportador nacional vendeu farelo de soja e farinhas para alimentar animais, os franceses exportaram máquinas e motores não elétricos.
Em junho, Lula reclamou das trocas comerciais entre eles, de US$ 9,2 bi. “É muito baixo. O Brasil com o Vietnã já tem US$ 13 bilhões (…). Nos próximos dez anos vamos chegar a US$ 20 bilhões”, disse ele durante um fórum econômico para 500 empresário em Paris.
No final do encontro, Lula recebeu uma promessa de R$ 100 bilhões em investimentos franceses. O valor seria diluído ao longo de cinco anos, a partir de 2026. “A França também não está no topo de parceiros, mas é a principal influência nas negociações do acordo Mercosul-União Europeia”, diz Santos Filho.
África do Sul
Embora seja parte do Brics, o comércio com a África do Sul é pequeno. Em 2024, o Brasil exportou para lá apenas US$ 1,4 bilhão, e importou US$ 657 milhões. É o 42º país no ranking de exportações brasileiras e o 55º no de importações. Enquanto o Brasil vende carne de aves, veículos rodoviários, açúcar e zinco, importa principalmente metais, como prata, alumínio e chumbo.
Lula não quer apenas vender ao parceiro de bloco; quer exportar mais para todo o continente. Prioridade da política externa brasileira nos dois primeiros mandatos de Lula (2023 a 2010), a África foi destino do presidente em duas ocasiões desde que voltou ao posto.
Europa compra pouco
Apenas seis dentre os 25 países que concentraram 80% das exportações brasileiras são da UE: Países Baixos (4º), Espanha (5ª), Alemanha (10º), Itália (15ª), Bélgica (20º) e Portugal (24º).
Em compensação, o Brasil colecionou déficits comerciais com países do continente em 2024:
Rússia: US$ 9,5 bilhões
Alemanha: US$ 7,9 bilhões
França: US$ 3,2 bilhões
Itália: US$ 1,9 bilhão
Suíça: US$ 1,8 bilhão
Suécia: US$ 1,5 bilhão
Áustria: US$ 1,3 bilhão
Dinamarca: US$ 1,1 bilhão
Irlanda: US$ 1 bilhão
Dentre os dez principais superávits do Brasil, só dois são europeus: Países Baixos (US$ 9,4 bi, segundo maior superávit) e Espanha (US$ 6 bi, o quarto maior).
O superávit geral de US$ 74,6 bilhões no ano passado se deve a trocas comerciais com países de outros continentes. É o caso de China, Cingapura, Canadá, Egito e Emirados Árabes Unidos.
Acordo UE-Mercosul: PIB de US$ 22 trilhões
No anúncio do plano de socorro aos exportadores, Lula também mencionou a União Europeia. “Semana que vem, também ligarei para Ursula van der Leyen [a presidente da Comissão Europeia] e vou dizer para negociar conosco no acordo com o Mercosul”, afirmou.
O tratado entre os blocos se arrastou por 25 anos. As negociações de livre comércio começaram em 1999 e só foram finalmente concluídas no ano passado. Ele ainda não entrou em vigor porque precisa passar pela aprovação do Parlamento de cada país e também pelo Parlamento Europeu, que deve votar o acordo em setembro. Ele precisa do apoio de 55% dos países do bloco, desde que representem 65% da população da UE.
O Brasil está em campanha para conseguir a aprovação. A intenção é desmontar o discurso de alguns países, como da França, de que o agronegócio brasileiro tem regras ambientais menos rígidas que as europeias.
O acordo pode criar uma área de livre comércio para 718 milhões de consumidores e um PIB (produto interno bruto) de US$ 22 trilhões. Ele permitirá à UE exportar mais automóveis e máquinas, enquanto os sul-americanos terão maior abertura no mercado europeu de carne, açúcar, arroz e soja. “A estimativa é que mais de 90% das tarifas de bens e serviços seriam ajustadas. E aí os produtos brasileiros ficariam muito mais atraentes que os dos EUA para o cenário europeu”, diz Santos Filho.
O tarifaço de Trump pode ajudar. Embora não exista garantia de aprovação, as restrições comerciais americanas ao Brasil (50% em sobretaxas) e à UE (15%) podem ser o incentivo que faltava para a ratificação do tratado. “O acordo tem uma importância estratégica para o Brasil, que é anterior ao tarifaço, mas ganhou um relevo por conta dele”, observa Santos Filho, da ESPM.
De fato, as exportações brasileiras representaram 1,4% do que foi vendido no mundo em 2024. Exportou US$ 337 bilhões dos cerca de US$ 25 trilhões comercializados em todo o mundo. Mais da metade do que o Brasil vendeu foi para apenas cinco países: China, Estados Unidos, Argentina, Países Baixos e Espanha.
Apesar das possibilidades de novos parceiros, alguns produtos terão dificuldades para encontrar novos destinos. “Os setores que enfrentarão mais dificuldades são justamente os de maior valor agregado. A gente ainda tem muitos eletrônicos e equipamentos industriais que vendia para os EUA e vai parar de vender”, afirma o professor. “São produtos com concorrentes globais, inclusive dentro do Brics, como a China.”
Fonre: Uol